10 anos de casamento gay nos EUA: como a luta de um viúvo estendeu o direito à união entre pessoas do mesmo sexo em todo o país
Jim Obergefell enfrentou o luto pela perda do marido e travou uma batalha legal para que a Suprema Corte reconhecesse o direito dele de ser oficializado como marido de John. Suprema Corte dos EUA aprova o casamento gay em todo o país
Os Estados Unidos celebram nesta quinta-feira (26) o aniversário de 10 anos da decisão da Suprema Corte que permitiu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo para todo o país.
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A aprovação veio a partir de um processo movido por Jim Obergefell contra o estado de Ohio – que não reconhecia o casamento dele com John Arthur, celebrado em Maryland em 2013. Como o caso chegou à maior instância da justiça americana, a decisão teve efeito para todo o país.
John não chegou a comemorar a mudança: ele morreu no fim de 2013, meses depois do casamento. E foi exatamente as dificuldades com a burocracia de um país que não reconhecia Jim Obergefell como viúvo que o motivou a buscar a justiça.
Jim, hoje aos 58 anos, vive como palestrante e produtor de vinhos. Em entrevista à TV Globo ele afirmou: “Era simplesmente uma questão de que eu e John, querendo estar casados, fôssemos reconhecidos”.
Na alegria e na tristeza
Jim e John na juventude
Arquivo pessoal
Jim e John se conheceram no verão de 1992, em Cincinnati, no estado americano de Ohio. O flerte virou namoro. E queriam ir mais longe – ainda naquela década.
“No meio dos anos 1990, nós dois conversamos sobre casamento. Queríamos tudo que um casamento representava”, relatou.
O problema é que, naquela época, os Estados Unidos tinham uma lei que impedia o reconhecimento federal do casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo. Eles até poderiam se casar em estados onde a lei local permitia, mas a união não teria validade perante as autoridades federais.
Essa regra só caiu em junho de 2013. Ou seja, eles poderiam se casar em estados onde o casamento gay era permitido, e essa união seria reconhecida em todo o país.
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Na saúde e na doença
John foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica
Arquivo pessoal
John tinha sido diagnosticado em 2011 com uma forma grave de esclerose lateral amiotrófica, que avançou rapidamente. Ele e Jim sabiam que a doença era terminal e que não haveria muito tempo para os dois ficarem juntos.
Por isso, assim que a lei barrando o reconhecimento federal do casamento gay caiu, ainda em 2013, eles decidiram se casar. E parecia uma vitória suficiente. Era uma última chance de os dois realizarem um sonho de duas décadas.
Moradores de Ohio, viajaram até Maryland – um dos estados com direito à união civil para homossexuais já naquela época – para celebrar o casamento.
“Foi um dos momentos mais felizes das nossas vidas. Porque a gente se casou. E ter esse direito nos fez nos sentirmos mais completos”, afirmou Jim. “Nós queríamos viver nossos últimos dias juntos como ‘marido e marido’.”
Porém, ainda havia um entrave legal, que só fez aumentar a dor da perda e a frustração de perceber que essa completude ainda encontraria um obstáculo.
Quando o inventariante foi à casa deles, contou aos dois que Jim não poderia constar como marido de John na certidão de óbito dele, já que ambos moravam em Ohio. O estado impedia o casamento gay, mesmo que órgãos federais já o reconhecesse.
“Essa notícia partiu nossos corações. Mas acho que, mais importante ainda, isso nos deu raiva. E nós processamos o estado de Ohio para que a certidão de óbito estivesse correta no dia em que ele morresse”, relembrou Jim.
Apenas onze dias depois do casamento, os dois estavam em um tribunal. Uma batalha legal que só terminaria dois anos depois estava começando. No meio disso, Jim teve que lidar com a perda.
John morreu em outubro de 2013, apenas três meses depois do casamento. E ainda sem ver seu marido com todos os direitos reconhecidos.
Por todos os dias da minha vida
Jim Obergefell
AP
Jim transformou o luto em energia para seguir em frente, instância por instância, até ter os direitos reconhecidos. A briga chegou à Suprema Corte. E, em 26 de junho de 2015, uma maioria mínima de juízes – cinco votos contra quatro – deu ganho de causa a ele, em uma jurisprudência que se aplicou a todo o país.
Ele relatou o alívio que sentiu após a decisão: “Isso me deu conforto. Eu não tinha mais por que me preocupar se o nosso casamento seria apagado da certidão de óbito, ou se Ohio se recusaria a nos ver como casados”.
“Além de conforto, me deu uma sensação de estabilidade. E me deu experiências incríveis por todo o país, com pessoas que me paravam e abraçavam para compartilhar suas histórias, contando sobre como o casamento igualitário mudou a vida de cada uma delas.”
A decisão da Suprema Corte que leva o nome de Jim – “Obergefell contra Hodges” – virou ainda um marco na política americana. Até então, o casamento entre homossexuais era tema de debate em eleições presidenciais, com o lado republicano contra, e o democrata, a favor.
Em 2016, isso mudou com a eleição de Donald Trump – que é republicano. Em uma entrevista logo depois de vencer a democrata Hillary Clinton, ele afirmou que o tema estava decidido e que, pessoalmente, estava bem com isso.
Reeleito em 2024, Trump não sinalizou um apoio à reversão do direito ao casamento homoafetivo. No entanto, a retirada do direito ao aborto legal pela nova maioria conservadora da Suprema Corte e a pressão de grupos religiosos como os Batistas do Sul gerou temor de que houvesse retrocesso.
Jim, portanto, vê os próximos 10 anos como desafiadores – mas vê lugar para esperança: “Sou muito grato por todos os que vieram antes de mim, gente que arriscou tudo, inclusive suas vidas, para apoiar a comunidade LGBT+ e dizer: ‘estamos aqui’. Nós merecemos existir”.
“Eu coloco minha esperança nas milhões de pessoas que, como eu, acreditam em igualdade para todos. Há milhões de pessoas no nosso país que lutam por igualdade. Hoje as coisas podem estar difíceis, mas tenho mais direitos agora do que há 20 anos.”
“As coisas melhoraram, mas todos temos que lutar para assegurar que nós não vamos perder nossos direitos.”
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